sábado, 26 de maio de 2012

A PONTE DE VIDRO - Parte 1

Gente esse conto é muito bom, lembrei do Lady assim que o li.. ele faz parte de uma coleção então talvez até traga mais, eu sei que ele é meio comprido(divi ele em 2 partes!), mas deem a chance de se apaixonagem por um mistério arrepiante!

A PONTE DE VIDRO - Robert Arthur
1957

Estávamos conversando sobre crimes insolúveis, o Barão de Hirsch, o Tenente Oliver Baynes, da Polícia Estadual, e eu. Isto é, De Hirsch estava discorrendo a respeito. Baynes e eu podíamos apenas escutar, enquanto o húngaro alto, de nariz aquilino, com uma dedução espetacular e uma lógica implacável, resolvia meia dúzia de casos famosos que permanecem nos arquivos de diversos departamentos de polícia, ainda marcados com a indicação Em aberto.
De Hirsch pode ser um companheiro extremamente irritante. Sua presunção é colossal e a apreciação da própria inteligência indisfarçável. Sempre me sinto tentado a indagar por que, sendo ele tão esperto, seus sapatos invariavelmente precisam de conserto e as roupas de remendos. Mas sempre resisto à tentação.
Percebi que Oliver Baynes estava ficando impaciente. Baynes é baixo e atarracado, de cara vermelha, fala macia, meio apagado. Mas é um bom policial... um dos melhores.
Ele esvaziou seu copo de cerveja... era uma tarde quente de agosto... e fitou-me, ao estender a mão para pegar outra lata.



— Peça ao seu amigo para resolver o caso da chantagista loura para nós — disse ele, o sarcasmo no comentário oculto por um semblante completamente impassível.
De Hirsch parou prontamente. Os olhos pretos brilharam, as narinas tremeram. E ele repetiu, suavemente, polidamente:

— O caso da chantagista loura?

— O nome dela era Marianne Montrose. — Baynes usou o abridor de lata, espirrando espuma na manga. — No dia 13 de fevereiro, entre três e quatro horas da tarde, ela subiu os 33 degraus cobertos de neve para uma casa no topo de uma colina, a cerca de 50 quilômetros daqui. Entrou naquela casa e nunca mais tornou a sair.

Baynes despejou a cerveja e tomou um gole, ruidosamente.

— Mais tarde, revistamos a casa e ela não estava lá. Havia uma camada de meio metro de neve em torno de toda a casa. E não havia qualquer sinal para indicar que ela fora levada da casa por algum meio. Além disso, o dono e único residente da casa é um homem que sofre do coração e pode morrer com qualquer esforço maior. Assim, ele não a carregou para fora da casa, não cavou um buraco e enterrou-a ou qualquer outra coisa no gênero. Mas ela não estava na casa. Contudo, viram-na entrar, seus passos estavam assinalados na neve que cobria os degraus. Marianne Montrose subiu até a casa e nunca mais desceu. Você poderia explicar-nos o que aconteceu com ela.

Os olhos de De Hirsch estavam fixados firmemente em Baynes.

— Dê-me todos os fatos e encontrarei a explicação.

Ele não disse simplesmente que tentaria, mas sim que o faria.

— Vou pegar minhas anotações — declarei, irritado. — Será ótimo conhecer a verdade. Além disso, terei outra boa história para escrever um artigo.

Baynes tomou outro gole de cerveja, sem dizer nada. Parecia apenas sonolento. De Hirsch serviu-se de outra generosa dose de conhaque... meu conhaque, pois estávamos reunidos em meu chalé de verão. Fui aos meus arquivos e voltei com a pasta sobre Marianne Montrose. Era bastante completa. Como um autor de histórias de crimes para as revistas populares, eu mantinha anotações detalhadas e recortes sobre todos os casos que rela-tava. Já escrevera um artigo sobre aquele caso, dando-lhe o tratamento de O Grande Ponto de Interrogação ou O Que Aconteceu com a Linda Marianne?

— Por onde você quer começar? — perguntei. — Tenho aqui o depoimento do jovem Danny Gresham, a última pessoa que falou com Marianne antes de ela subir para a casa e desaparecer.

De Hirsch recusou-se a pegar o depoimento datilografado e disse, com a sua polidez habitual:

— Leia para mim.

Oliver Baynes deixou escapar um estranho ruído pelas narinas. Podia ser uma risada reprimida. Lancei-lhe um olhar furioso e comecei a ler:

Morgan's Gap, 3 de fevereiro. Do depoimento de Daniel Gresham, de 19 anos.

Eu estava nos escritórios do Morgan's Gap Weekly Sentinel, lendo provas. Eram três e meia. A temperatura lá fora estava uns 14 ou 12°C abaixo de zero. Era um dia revigorante. Pensei em ligar para a minha garota, Dolly Hansome, marcando um encontro para esquiarmos. A neve estava profunda, com uma boa crosta sólida e mais alguma neve recente por cima. Enquanto eu pensava em Dolly, um cupê azul sensacional parou lá fora.

Uma garota estava ao volante. Ela parecia um pouco com Dolly Hansome, só que era mais alta e mais desenvolvida... mais mulher, para ser franco. Tinha os cabelos louros compridos, sob uma touca vermelha, usava um blusão de esquiar também vermelho. Saltou do carro e ficou olhando através do vale para a casa de Mr. Mark Hillyer, o escritor de histórias de mistério. Ninho de Águia, é como Mr. Hillyer chama sua casa. E é um nome dos mais apropriados, pois a casa fica empoleirada, isolada, lá no alto da colina.

Pode-se pensar que é um lugar esquisito para um homem com problema de coração viver sozinho. No verão, pode-se dar a volta e subir de carro até os fundos da casa, onde fica o terraço. No inverno, porém, a prefeitura só limpa a estrada até os degraus que ficam na frente.

Isso significa que Mr. Hillyer nunca sai de casa depois que cai a primeira nevasca grande. Mas ele não parece se importar. No outono, ele se abastece com três mil galões de óleo combustível e um grande estoque de alimentos enlatados. E fica pronto para enfrentar o inverno. Todos os dias, a Sra. Hoff sobe até lá em cima para cozinhar e limpar. Ela não se importa com os degraus, da mesma forma que seu cunhado, Sam. Ele é que limpa os degraus e o terraço no lado norte da casa.

Mr. Hillyer gosta de ficar sozinho. Não gosta muito das pessoas. É um homem alto e magro, com um rosto comprido e desapontado, uma maneira ríspida de dizer as coisas. Escreveu 12 livros de mistério e guarda uma porção de recortes e críticas. Sente-se especialmente orgulhoso das críticas que destacam como são hábeis os seus enredos. Mas há cinco anos que ele não escreve nenhum livro. Acho que ele se sente desanimado porque os outros não venderam muito bem.

Ah, sim, a garota...

Ela ficou parada ali, olhando para a casa, depois virou-se e entrou no escritório. Levantei-me imediatamente para atendê-la. Ela sorriu e disse olá. A voz era baixa e rouca, do tipo que deixa a gente excitado, se entendem o que estou querendo dizer. Perguntou-me se eu era o editor e respondi que era o assistente. Perguntou em seguida se podia usar o telefone. Disse que sim, claro, certamente, estendendo-lhe o telefone. Ela pediu o número de Mark Hillyer. Não pude deixar de ouvir o que disse. Claro que me lembro das palavras. Isto é, mais ou menos.

— Olá, Mark — disse ela, com uma voz diferente agora. — Aqui é Marianne. Estou telefonando da aldeia. Tenho certeza de que está à minha espera. E mais uma coisa, Mark querido, caso você tenha alguma idéia exótica nesse seu cérebro tão esperto: eles sabem aqui no escritório do jornal que estou subindo para vê-lo. Estarei aí dentro de dez minutos.

Ela desligou e sorriu-me, sua voz voltando a ser como antes, ao dizer-me:

— Mark Hillyer não gosta de mim. E é um homem muito esperto. Acho que ele me mataria, se tivesse a certeza de escapar impune. Mas acontece que não pode. De qualquer forma, se eu não voltar aqui dentro de uma hora, pode fazer o favor de mandar a polícia até lá para me procurar? Passarei por aqui na volta, apenas para dizer-lhe que estou bem.

Ela sorriu de novo. Claro que respondi que estava bem, não havia o menor problema, chamaria o guarda Redman para ir procurá-la. Eu me sentia extremamente emocionado. Parecia até uma cena saída de um dos livros de Mr. Hillyer. Claro que não pensei que ela estivesse realmente falando sério. Mas quando ela se afastou no carro, fui até a janela e fiquei observando-a. Um minuto depois, o carro estava subindo pela estrada que leva ao Ninho da Águia de Mr. Hillyer. Uma porção de garotos se divertia na parte inferior da ladeira, com encostas, trenós e essas conchas novas de alumínio, deslizando por toda parte. Pensei novamente em ligar para Dolly, mas por algum motivo já não me sentia tão interessado quanto uns poucos minutos antes.

Avistei o conversível fazer a curva antes dos degraus diante da casa de Hillyer. O trator de neve chega até lá. A garota parou o carro e saltou. Começou a subir os degraus. Vi-a chegar à pequena varanda na frente da casa. A porta se abriu. Ela entrou e a porta fechou. Fiquei de olho na casa de Mr. Hillyer durante o resto da tarde, enquanto trabalhava, até o escurecer. Mas a garota nunca mais tornou a sair.

Fim do depoimento de Daniel Gresham.

Morgan's Gap, 14 de fevereiro. Do depoimento do guarda Harvey Redman.

Por volta das cinco e meia da tarde de ontem, o jovem Danny Gresham entrou afobado no meu escritório, dizendo que uma linda garota subira para falar com Mr. Mark Hillyer e podia estar em perigo. A princípio, pensei que fosse mais sua imaginação. Mas ele relatou-me todos os fatos e achei que seria melhor darmos uma olhada. Quem escreve livros como Hillyer pode com a mesma facilidade matar alguém de verdade.

Peguei lanternas e fomos no meu velho carro. Chegamos à casa de Hillyer por volta das seis horas. Lá estava o conversível de Miss Montrose. E Danny mostrou-me as pegadas de uma mulher na neve em cima dos degraus.

Havia pegadas subindo.

Mas não havia pegadas descendo.

Portanto, Danny estava certo ao dizer que a garota ainda estava lá em cima.

Subimos, procurando não pisar nas pegadas. Batemos na porta. Mr. Hillyer abriu-nos a porta. Parecia surpreso. Contei-lhe o que a mulher dissera a Danny e perguntei onde estava Miss Montrose. Mr. Hillyer soltou uma risada e disse:

— Receio que Miss Montrose estava simplesmente brincando com você e Danny. Ela foi embora há cerca de uma hora, quando estava começando a escurecer.

Ao que eu lhe disse:

— Mr. Hillyer, há pegadas de mulher subindo os seus degraus, mas não há pegadas descendo. Além disso, o carro dela ainda está lá embaixo

— Mas que coisa estranha! — disse Mr. Hillyer, falando como se estivesse rindo.

— É o que eu também penso — declarei. É por isso que estou lhe perguntando onde está a moça.

— Mas não sei onde ela está — disse ele, fitando-me nos olhos. — Vou ser franco. Aquela garota é uma chantagista. Veio até aqui hoje para arrancar-me mil dólares. Paguei e ela foi embora. E isso é absolutamente tudo o que sei. Insisto que reviste a casa para verificar se há qualquer vestígio dela ou indício de que lhe fiz alguma coisa. Tudo o que quero é que fique comprovada a minha inocência.

Danny e eu revistamos a casa. Mr. Hillyer ficou sentado em sua cadeira ao lado da lareira, no escritório, fumando e esperando.

A casa era fácil de revistar, tendo apenas seis cômodos, com um único andar. Não tem porão nem sótão. A caldeira a óleo fica num pequeno compartimento. Os chãos são de cimento. As paredes são de blocos duplos de escória, com material isolante no meio.

A garota não estava na casa. E também não havia qualquer vestígio de sua passagem por lá. Não havia sinais de luta nem manchas de sangue.

Danny e eu saímos. Não havia quaisquer marcas na neve em torno da casa. O terraço no lado norte estava limpo, mas um pouco de neve espalhara-se pelo chão. E também não havia marcas ali. Isso não significava muita coisa, pois a neve se espalhava por toda a encosta até Harrison's Gully e não demoraria muito para que o terraço ficasse outra vez coberto de neve.

Danny experimentou a camada de neve, que se fragmentou ao primeiro passo. Ninguém poderia ter passado por aquela neve sem deixar marcas. Além do mais, o coração de Mr. Hillyer o teria matado se ele tentasse.

Assim, depois de darmos uma olhada na garagem e revistarmos o carro, especialmente a mala, fomos dizer a Mr. Hillyer que parecia que Miss Montrose fora mesmo embora.

— Fico contente que esteja convencido de que não a estou escondendo, seu guarda — disse ele, rindo. — Apesar da história que ela contou a Danny, de suas pegadas apenas subirem para a casa e de o carro ainda estar lá embaixo, é perfeitamente óbvio que eu não poderia tê-la matado e escondido o corpo... a não ser, é claro, que a tivesse carregado por uma ponte de vidro.

Falei que não havia entendido.

— Acho que não conhece muito bem a ficção de mistério, seu guarda. Uma das histórias mais famosas é sobre um homem que foi assassinado com uma faca de vidro. Depois, o assassino largou a arma num jarro com água e ninguém pôde encontrá-la. Assim, talvez eu tenha matado Miss Montrose e carregado o corpo por uma ponte de vidro... que está agora invisível. Mas posso lhe oferecer outra teoria. Talvez um disco voador tenha aparecido e levado Miss Montrose. Na verdade, quanto mais penso a respeito, mais fico convencido de que é justamente isso o que deve ter acontecido.

— Acho que não está levando o caso muito a sério, Mr. Hillyer — declarei. — Mas eu estou e vou chamar a Polícia Estadual.

E foi o que eu fiz. Eles é que devem descobrir onde a garota está. Tenho outros problemas a tratar neste momento.
Fim do depoimento do guarda Harvey Redman. 

(continua)

Até a hora do chá,
Liah

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